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Em 1839, por uma manhã tiritante de Fevereiro, destas manhãs estanhadas pelo regelo e o caramelo, com o sol metido lá para a casa de Pilatos, na aldeia de Carapito, ouviram-se a súbitas cinco tiros, ao descoser do caminho para Nacomba. Três homens, de clavina em punho, saltavam os muros das hortas, um olhar torvo e suspicaz à retaguarda, e metiam para os bosques que vestem o sopé dos montes de Caria. No meio da azinhaga jazia prostrado por uma carga maciça de zagalotes um marchante muito conhecido na região, rapaz de vida inquieta e barganteira, nem mais, nem menos este Leandro da Rua. Para maior escarmento e sinal de que o assassino fora obra de alardeada revindicta, os matadores, antes de desparecer, deram-se ao requinte de lhe cortar as orelhas.
A mãe do morto, quando lhe vieram com a notícia, saiu de casa, e desgrenhada, descalça, mãos erguidas ao céu rompeu em altos brados a clamar à d’el-rei contra o Pires – não podia ser outro – que lhe matara cobardemente o filho de sua alma. Ao clamor acudiram os vizinhos e familiares, ali se erguendo grande babaréu que de babaréu não passou, não havendo mais que vozes ao vento.
Entretanto o Manuel Pires, que tinha um talho em Vide, face à Capelinha de Nossa Senhora dos Passos, arvorava, espetadas nos ganchos da loja, ao pé duma cabeça de vitela, as orelhas do Leandro. A quem vinha não se acanhava de dizer:
- Orelheira de porco, não vai? – e acrescentando a bufar: - Hoje pateou este; atrás deste hão-de ir o pai, a mãe, os irmãos todos. Não há-de ficar um para raça.
Assim, em público e raso, gloriosamente, se denunciava o matador. Mas quem se atrevia a erguer mão para a gola da jaqueta do maior bandoleiro que pisava o vale do Távora e terras da Nave, capitão de quadrilha, com muitas mortes às costas, umas de filiação miguelista, outras de celeradez pura e rapinagem?
Naquele ódio à família de Leandro, havia um negócio túrbido de fêmea, uma pécora que se passara do Pires, que era canhestro e reles figura, para aquele, bonito moço e arruador.