Literatura, opiniões, memórias, autobiografias, e demais diletantices.
Terça-feira, 15 de Julho de 2014
José Matoso fala de seu pai.

A nossa geração estudou História pelo Matoso.

Extracto de uma entrevista de José Matoso, onde fala de seu pai.

 

 

 

O facto de o seu pai ter sido um autor de livros de História, que marcaram gerações inteiras, influenciou-o na escolha da disciplina que usou para ler o mundo, para se integrar no mundo?

Acho que sim. O meu pai gostava muito de História e tinha uma propensão para preferir a Idade Média por um certo romantismo. Pertencia a uma família com tios padres, era uma pessoa religiosa. Isso também me influenciou na escolha da vida monástica. Acontece que me formei em História na Universidade de Lovaina e estudei Idade Média porque [me dediquei] ao estudo da História da minha Ordem Beneditina, que teve o seu esplendor na Idade Média.

Está a dizer que por acaso coincidiu com o período preferido do seu pai, mas que esse não foi o motivo principal ou sequer o único?

Exactamente. São razões um pouco circunstanciais, que acabam por ter alguma influência nas decisões que se tomam. Tive a sorte de ter um bom professor, um excelente medievalista, e de ser uma área de estudo que não estava devidamente estudada. Pude fazer uma investigação com uma certa originalidade.

Como era o seu pai? Fale-me da relação que tinham.

O meu pai era uma pessoa com uma extrema bondade. Formou-se em Direito, em Coimbra, foi aluno de Salazar. Naquele tempo, à volta de 1911/12, era normal que as pessoas da burguesia escolhessem entre Medicina e Direito. Nunca praticou a advocacia. Tornou-se professor do ensino secundário numa escola industrial e comercial e tinha um grande talento pedagógico. Ainda hoje encontro pessoas que me dizem: "Fui aluno do seu pai", com ar de quem teve um privilégio extraordinário. Gostava de crianças, de as ver crescer. A sua atitude para connosco (éramos uma família numerosa, oito filhos, cinco rapazes e três raparigas) foi sempre de um grande respeito pelo interlocutor.

Ele contava ter sido aluno de Salazar? Foi uma experiência marcante para ele?

Ele admirava Salazar como homem excepcionalmente inteligente e um grande político, mas desagradavam-lhe a sua frieza e o carácter implacável, manifestado nos exames, na maneira como interrogava os alunos. O meu pai ficou-lhe com um certo medo; de vez em quando, sonhava com Salazar, e isso para ele era um pesadelo.

É interessante ter percebido desde cedo que era possível sentir respeito e admiração e ao mesmo tempo temor e repúdio. São sentimentos fortes e frequentemente inconciliáveis. O seu pai ensinou-os que era possível estar nesta aparente contradição?

Sim. Foi autor de um compêndio que foi expressão da ideologia do regime, era "o Mattoso", mas tinha amigos de todos os quadrantes políticos, desde comunistas a democratas. Tinha uma grande amizade ao dr. Fernando Vale, que morreu com cento e tantos anos e que foi um dos fundadores do PS.

É verdade que o pai de Mário Soares era amigo do seu pai?

Era amigo do tio do meu pai, o bispo da Guarda D. José Alves Mattoso. Por sinal, foi o dr. João Soares que arranjou o primeiro emprego do meu pai. Um trabalho de secretaria no Banco Nacional Ultramarino, em Leiria. Não tiveram relação além desta.


Politicamente, estavam em diferentes lados da barricada.

Sim. O dr. João Soares tinha sido padre, foi ministro dos governos republicanos, foi autor de um Atlas geográfico. O meu pai apontava este Atlas como uma obra muito bem feita e o dr. João Soares como uma pessoa muito séria.

Como é que o seu pai se transformou no autor do compêndio de História usado nas escolas?

O meu pai apreciava um texto simples, claro, bem redigido. (Foi ele que corrigiu os meus primeiros textos. Para evitar os advérbios de modo, a cacofonia, para a frase ser limpa.) O primeiro compêndio que escreveu era uma reformulação de um compêndio escrito por esse tio, bispo. Como tinha um talento pedagógico, queria que fossem livros agradáveis, acessíveis. Creio que também tinha talento como investigador, mas nunca teve possibilidade de o fazer, tirando dois ou três trabalhos mais curtos sobre o conceito de paróquia. Tinha uma certa pena, mas tinha de consagrar todo o tempo ao trabalho que permitia sustentar uma família grande. A ajuda que ele teve (além do trabalho como professor) foram, justamente, os compêndios que escreveu. Que não lhe rendiam uma fortuna. Estava sempre à secretária a escrever - é a imagem que tenho dele. Tenho uma memória feliz da minha infância.



publicado por Dito assim às 20:11
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Terça-feira, 8 de Julho de 2014
A decadência do Ocidente? A sério, desta vez?

 

 

Voltei para Genève ontem à noite de Basel. A Suíça alemã é a distopia que nos faz medo. Mas é um proverbial relógio a funcionar… tudo impecável, limpo, a horas e sobretudo reliable!!! Um pesadelo, enfim” — desabafou amigo em viagem. E é esse o padrão a que Berlim nos quer obrigar, como réguas de metro ou cilindros de quilo a aferir no Museu dos Pesos e Medidas. Entre Norte e Sul, os europeus nunca se desentenderam tanto.

 

Bons tempos, quando Helmut Kohl dizia que o Chanceler alemão, antes de falar com o Presidente francês, devia fazer três reverências — porque era sinal de que ainda havia França. E bons tempos, também, quando Jean-François Revel escrevia “o anti-americanismo é o socialismo dos imbecis”. Porque ainda havia socialismo, não para governar a seu gosto mas para meter respeito a capitalistas gananciosos que, uma vez largados em roda livre, ajudaram a cavar o lindo buraco onde estamos. E porque ainda havia Estados Unidos da América a libertarem e policiarem o mundo em vez de se fecharem em copas, entre Tea Party descerebrado e presidente tão cerebral que, por querer sempre ver os dois lados de cada questão, acaba por não ver nenhum e ficar quieto. 8 anos das simplicidades da cabeça de Bush, mais 8 anos das complexidades da cabeça de Obama arriscam-se a virar o Novo Mundo para dentro e deixar os europeus ó tio, ó tio.

 

Grave para nós e para toda a gente. Decência entre governantes e governados e tratamento das mulheres como seres humanos e não como bichos de espécie zoológica inferior, começaram nesta parte do mundo, a que chamamos Ocidente, e daí têm tentado medrar in partibus infidelium. Mas exigem atenção constante porque, como tudo, desaprendem-se depressa quando não são praticados. E a obra está sempre inacabada. Desde o século de Péricles, evocado como berço da democracia, aos sistemas políticos das monarquias do noroeste da Europa, considerados os mais user friendly do mundo de hoje, houve progresso. Na realidade, o lugar onde vivi politicamente mais parecido com a democracia ateniense do século V a.C. era a Africa do Sul do apartheid, com uma diferença a favor desta: as mulheres (se fossem brancas) podiam votar e ser eleitas.

 

Se, europeus e norte-americanos, continuarmos a perder o respeito que o resto do mundo fora ganhando por nós entre o século XVI e a segunda metade do século XX – mesmo que muitas vezes de mau modo, de má fé ou sob coacção — e estando reduzido a caricaturas grotescas como a Coreia do Norte ou Cuba o que sobrou da falência da grande ilusão inventada por Marx e afinada por Lenine, Estaline e Mao-Tse-Tung, a hora é dos gladiadores, dos leigos de todas as fés — e dos fanáticos de cismas do Islão que aliam destreza em tecnologias de ponta a zelo pelas tradições mais sanguinárias dos monoteísmos da Terra Santa.

 

Todo o cuidado é pouco.

 

Jose Cutileiro

 

(Do blogue "Retrovisor")



publicado por Dito assim às 19:03
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Quarta-feira, 2 de Julho de 2014
SER EUROPEU (Marcelo Duarte Mathias)

Em Maio de 2013, transcrevi:

 

SER EUROPEU É PREFERIR:

- as catedrais às pirâmides;

- Bruges a Gioto;

- o mar Egeu às Caraíbas;

- o sentido estético ao sentido prático;

- as interrogações às certezas;

- o cepticismo ao fanatismo;

- a diversidade à uniformização;

- a dissidência à ortodoxia;

- a liberdade às verdades;

- a sabedoria ao saber;

- a síntese à retórica;

- as palavras às estatísticas;

- a imprensa à televisão;

- a literatura à tecnocracia;

- o indivíduo às massas;

- a lucidez da razão às profecias sem razão;

- as heranças aos testamentos;

- as memórias dispersas à memória única;

- o vinho à Coca-Cola;

- o valor dos homens ao valor do dinheiro;

- a visão de conjunto à visão parcelar;

- a inquietação ao optimismo;

- o sonho à diversão;

- a contradição ao apaziguamento;

- os cafés e esplanadas aos bancos e seguradoras;

- o curso do Danúbio ao do Amazonas;

- Porto fino a Acapulco;

- Santorini a Punta del Este;

- o lago Cuomo ao lago Titicaca;

- a Grécia de Péricles à China da dinastia Han;

- o Império austro-húngaro à Turquia dos sultanatos;

- a Roma imperial ao Japão dos sarnurais;

- o Spectator ao New Yorker;

- Margaret Thatcher a Indira Gandhi;

- De Chirico e Delvaux a Portinari e Andy Warhol;

- Fellini e Truffaut a Spielberg e Tarantino;

- Malaparte e Yourcenar a John Dos Passos e Kawabata;

- Mouzinho de Albuquerque a Pancho Villa;

- Garibaldi a Sun-Yat-Tsen;

- Marco Aurélio a Confúcio;

- por fim, uma noção equilibrada do tempo, nem estática nem acelerada.

Em suma, a história da Europa à história universal.


(Marcelo Duarte Mathias in Diário de Paris)



publicado por Dito assim às 18:14
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