Literatura, opiniões, memórias, autobiografias, e demais diletantices.
Sexta-feira, 24 de Outubro de 2014
O rei dos Elfos D.338 de Schubert
O rei dos Elfos D.338 de Schubert, segundo poema de Goethe.
Anne Sofie von Otter com a Orquestra de Câmara da Europa sob direcção de Claudio Abbado. Gravação de 2003. Versão original para voz e piano. Versão orquestrada por Hector Berlioz. De estarrecer.
Quem cavalga tão tarde à noite e ao vento?
É o pai com o seu filho;
Ele segura o rapaz bem nos seus braços,
Ele segura-o com firmeza, ele mantém-o quente.
"Meu filho, por que escondes tão receosamente o teu rosto?"
"Pai, não vês o rei dos elfos?
O rei dos elfos com coroa e cauda?"
"Meu filho, é o rasto de névoa."
"Tu querida criança, vem, anda comigo!
Maravilhosos jogos eu jogarei contigo,
Muitas coloridas flores crescem sobre a margem,
A minha mãe tem muitas túnicas de oiro."
"Meu pai, meu pai, não ouves
O que o rei dos elfos baixinho me promete?"
"Sossega, sossega, meu filho,
É o vento que murmura nas folhas secas."
"Queres, belo rapaz, ir comigo?
As minhas filhas cuidarão de ti;
As minhas filhas conduzem a dança nocturna,
E embalarão, dançarão e cantarão para tu adormeceres.
"Meu pai, meu pai, não vês ali
As filhas do rei dos elfos no local sombrio?"
"Meu filho, meu filho, eu vejo perfeitamente,
São os velhos, tão cinzentos, salgueiros."
Eu amo-te, encanta-me a tua linda figura,
E se não vieres voluntariamente, eu usarei da força."
"Meu pai, meu pai, ele agarra-me agora,
O rei dos elfos magoou-me!"
Evocação
Hesitei muito em publicar esta foto pois sou daqueles que não adiro ao exibicionismo do Facebook. Mas como o que publico é visto por meia dúzia de pessoas amigas aqui vai.
Em Dezembro de 1953, fiz a primeira comunhão na capela que não sei se ainda existe na Casa da Quintã do meu avô Belmiro. A foto é nas escadas da Casa e são os meus pais óbviamente. Meu pai faria hoje 95 anos. Haverá algo de evocação nisto?

Deutschland über alles?
22.10.14


Deutschland über alles?
As duas grandes guerras da primeira metade do século XX foram manifestações trágicas da impossibilidade de fazer conviver Alemanha unida e forte com as outras grandes potências do Velho Mundo. A chamada construção europeia começada com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço — destinada a impedir que Alemanha e França se fossem armando uma contra a outra — a seguir à rendição incondicional de Berlim em 1945 foi congeminada por democratas franceses e antinazis alemães (mormente Robert Schuman e Jean Monnet, do lado de cá do Reno, e Konrad Adenauer, do lado de lá) longe das disposições draconianas da paz de Versailles de 1919 que haviam ajudado Hitler a subir ao poder. Durante meio século fez caminho seguro e chegámos à União Europeia.
Na Europa Ocidental, o progresso parecia imparável. As circunstâncias eram propícias. Medo salutar de Estaline provocara a invenção das Comunidades Europeias e da OTAN e, depois dele morto, a União Soviética continuara a meter respeito; os Estados Unidos garantiam guarda-chuva nuclear e, primus inter pares na Aliança Atlântica, desimaginavam os aliados das suas brigas históricas. A Alemanha, primeiro de rastos e ocupada militarmente e a seguir dividida (De Gaulle dizia gostar tanto dela que preferia que houvesse duas) não tinha poder político mesmo depois da República Federal — folgada por limitação de despesas militares e por perdão de dívidas de guerra — ter construído grande poder económico (o milagre alemão).
A reunificação conseguida por Kohl com licença de Gorbachev, apadrinhamento de Bush e susto de Mitterrand e Thatcher, mudou as coisas. Tornou a haver poder político alemão. Pela primeira vez, famosamente no fim de 1991 durante a crise jugoslava, impondo reconhecimento prematuro da independência da Croácia aos seus onze parceiros da CEE. E desde então, sem tréguas, até ao beco onde a zona euro está metida. A crise começada em 2008, exacerbada em 2010 pela constatação do estado calamitoso das finanças gregas, acordou veia moralista implacável em Berlim. Desde os anos 20 do século XX, para os alemães, a inflação é pecado mortal. Para os franceses, uma pitada dela é o sal da economia. Como a Alemanha é mais forte — apesar de infraestruturas em péssimo estado, burocracia paralisante e defesa pelas ruas da amargura — tem vindo a impor austeridade aos seus parceiros do sul, empobrecendo toda a zona euro e empurrando-nos para a deflação. Se Merkel for iluminada pela visão de Bismark, de Kohl ou de Schmidt dará guinada para o crescimento. Se não for, pela terceira vez em 100 anos a Alemanha, mesmo em paz, terá sido incapaz de dar bom viver aos vizinhos.
NB – Amiga cujo saber prezo acha que o mal é outro. As nações são ovos cozidos e com ovos cozidos não se fazem omeletes (De Gaulle dixit). Fazem-se bons pratos; muitos se cozinharam desde 1957. Mas o euro, tal como concebido e imposto, foi conto do vigário que lesou muita gente e espevitou forças centrífugas na União. Quiçá.
Quinta-feira, 16 de Outubro de 2014
Os olhos férteis
Desculpem a insistência mas lá volto às crónicas de José Cutileiro no blogue “Retrovisor”.
Lucidez, perspectiva iluminada , conhecimento histórico, linguagem de espirito, português impecável. Visão de um diplomata conhecedor dos meandros da História, ajuda-nos a compreender este mundo que nos rodeia. Vemos a árvore e a floresta.
Em 1640, Miguel de Vasconcellos, valido da Duquesa de Mântua, regente do Reino, morreu atirado de uma janela. Em 1945, Philippe Pétain, herói da guerra de catorze, viu a sua pena de morte comutada por De Gaulle e veio a finar-se em prisão perpétua (todos os anos Mitterand, já no Eliseu, mandava pôr um ramo de flores na sua campa no dia do armistício de 1918). Também em 1945, Vidkun Quisling — que, ao governar a sua Noruega natal por conta do ocupante nazi, deu nome genérico a esses traidores ambíguos — foi fuzilado numa prisão de Oslo. Guerras de independência desapareceram da Europa de hoje. Agora, fronteiras e soberanias esfumam-se e o domínio de Berlim sobre as decisões fiscais de outras capitais, impondo políticas de austeridade que estão a estalar pelas costuras e quase a matar o cavalo do inglês, é tão grande que amigo sábio chama à zona euro Alemanha Magna. Até quando?
Há dias Matteo Renzi, primeiro-ministro italiano, rapaz quase sempre pimpão demais para meu gosto, acertou em cheio no alvo. Acossado, como outros governantes do sul, por visão teutónica paranoide que faz da inflação pecado mortal — disposta a correr o risco, presumivelmente virtuoso, de deflação — disse: “Prefiro uma França com 4% de défice a uma França com Marine Le Pen presidente.” A questão é essa e é isso que a Alemanha parece incapaz de perceber. Convicta da bondade dos seus valores; de que, no seu seio, nazismo, fascismo, nacionalismo agressivo não brotarão de novo e incapaz de perceber outros povos, insiste em considerar diferenças entre o norte e o sul como combate entre o bem e o mal que será ganho quando nós, meridionais, reconhecermos o nosso erro. Entretanto a deflação está à porta, a crise morde a própria Alemanha e, com coro que vai da Casa Branca ao FMI e ao Papa a pedir estímulos à economia e não só prestações para o tonel das Danaides de dívidas impagáveis talvez Merkel e Schäuble se desimaginem da cruzada moralizante antes que esta arruíne de vez a Europa.
Não foram eles que desregularam demais o sistema financeiro nem foram eles que fizeram do euro nossa moeda sem o cuidado devido. A culpa da crise foi doutros — mas é culpa deles que o remédio escolhido agrave a doença em vez de a curar. Será que, por fim, se juntarão a Mario Draghi do Banco Central Europeu, dispostos a “fazer o que for preciso” para salvar o euro (e os europeus)? Provavelmente tarde e a más horas.
E por agora? Os Quislings de hoje? Os que seguem regras ditadas por Berlim via Bruxelas porque senão não há agiota que empreste dinheiro em conta aos países que governam? Poder-se-iam inspirar em Mitterand que começou por servir Vichy, quando sentiu no ar um perfume de vitória aliada se mudou para a resistência e acabou por chegar à Presidência da quinta República, onde ficou catorze anos? Duvido. A História não se repete. Não há génios políticos tortos em todas as gerações nem, quando a austeridade acabar, os povos irão pedir as cabeças dos capatazes de Berlim.
José Cutileiro
("Os olhos férteis" foi um livro de poemas escrito por Paul Éluard nos idos de 30. Este título sempre me fascinou - a mim e a um radialista da RDP que tinha um programa de rádio no século passado com este título. Justificação para o título deste "post" no blogue.)
Quarta-feira, 15 de Outubro de 2014
Tania Achot e os nossos agentes culturais
Este texto é do blogue de António Pinho Vargas e refere-se a uma pianista que muito prezo. Votada ao esquecimento como Nella Maissa ou Olga Pratts. A nossa rádio não tem interesse ou dinheiro para gravar uns recitais para memória futura. Isto dava muito que dizer.
Sobre Tânia Achot e a nossa condição
Os casos concretos mostram as estruturas e estas não funcionam se não houver agentes - no sentido sociológico do termo - que as façam funcionar. Há coisas que não consigo aceitar nem sequer compreender. Umas dizem-me directamente respeito. Outras dizem respeito a outras pessoas, mas vai dar ao mesmo: o inaceitável. Há ums tempos atrás tive uma longa conversa pelo telefone com Tânia Achot. Ilustre pianista, ilustre professora muitos anos na Escola Superior de Música de Lisboa (de origem russa, lá estudou na Rússia e teve um 3º Prémio no famoso Concurso Chopin em Varsóvia). Durante uns 20 ou mais anos foi um(a) dos 3 ou 4 únicos pianistas portugueses que faziam recitais em todas nas temporadas da selecta - no sentido literal - Fundação Gulbenkian. Reformou-se da ESML na altura em que estive fora para fazer o meu doutoramento entre 2006 e 2009. Neste momento orienta alguns alunos de Mestrado noutra escola. Tocou até - não precisava de o fazer para nada que não a sua decisão de o fazer - a minha peça de 1990 Mirrors na Culturgest - num evento privado - na ESMAE do Porto, e finalmente no Grande Auditório da Gulbenkian. Nenhum outro da sua geração o fez, e mesmo da seguinte não foram assim tantos. Agradeci-lhe, foi uma honra, mas foi mais um traço de curiosidade, de interesse, de desafio, semelhante - embora neste caso muito mais convincente - daquele que a levou a apresentar também na Gulbenkian, poucos anos antes, a Primeira Sonata de Pierre Boulez.
Não esquecerei muitas das conversas sobre música que tive com ela e, por vezes, com algumas outras pessoas. O que me leva a escrever aqui é um dos aspectos mais criticáveis das práticas dos agentes culturais, que é a prática activa do esquecimento. Não, não sou eu que me queixo agora. Acrescento que pude ver ao longo dos anos, muitos outros músicos serem objecto de tratamento similar e ignóbil. Mas hoje é da Tânia que quero falar. Disse-me então na conversa que referi: "António, quero-te dizer uma coisa. Agora oriento alguns alunos de mestrado e continuo a tocar piano todos os dias. Estaria pronta para tocar. Sabes quantos convites tive para recitais desde que saí da ESML? Zero. Nem um." Fiquei sem palavras para lhe responder, a não ser: "Aqui é assim, Tânia. Não há explicação".
É isto admissível? É desta forma que se trata uma artista que nos deu música tantas vezes de forma admirável, que formou tantos pianistas ao longo de muitos anos? Não há tantos festivais por esse país fora, muitas autarquias, muitas instituições que apresentam concertos? Não se verificaram muitas vezes casos de pianistas do "grupo dos eleitos" que tocaram até aos 80 anos ou mais? Não fez Alfred Brendel a sua última tournée de despedida quando chegou aos 80 anos, por decisão própria, passando naturalmente por Portugal? Mas não há, de modo inverso, muitos casos de músicos que decidiram pôr fim às suas carreiras ainda muito longe dessa idade, porque simplesmente "não tinham trabalho"? O número é muito vasto. Conheço muitos deles e a sua qualidade era grande. São demasiados. Quando este funcionamento das estruturas culturais, baseadas (no discurso) na distinção, enquanto (na prática) manifestam uma espécie de memória vazia, formatada pelos jornais, de uma espécie de areia feita da total falta de consideração íntima pelos artistas que consideram "locais" enquanto se vergam de honra provincial perante os "grandes artistas do mundo"? Será que ser um grande artista em Portugal é menos digno de apreço? Que poderemos pensar dos agentes culturais portugueses (por mais que pratiquem o "trazer cá" como orientação principal, não deixam de ser aquilo que, no fundo, não gostariam de ser: está escrito no BI)
Esta querela identitária sobre a qual E. Lourenço muito escreveu desde os anos 40 até hoje, está no fundamento de toda a sua formação anterior (que foi a minha também) e em toda a sua prática de sempre. Contam-se pelos dedos aqueles - honra lhes seja - que se regem por outro tipo de critério e que consideram a sua função não apenas em relação ao público, ou à última moda, mas igualmente em relação às comunidades artísticas, aos artistas que dedicam as suas vidas à sua arte.
A música "clássica" - como sói dizer-se - será talvez de todas as práticas musicais, aquela onde é mais comum este "esquecimento em vida" com umas poucas excepções. Talvez porque o número de decisores é muito pequeno e o isolamento social é patente.
Mas daqui envio uma palavra: obrigado Tânia. Longa vida para trás e para a frente.
António.
9 de Julho de 2014
Um texto de Helena Sacadura Cabral
Desde que os americanos se lembraram de começar a chamar aos pretos 'afro-americanos',com vista a acabar com as raças por via gramatical, isto tem sido um fartote pegado! As criadas dos anos 70 passaram a 'empregadas domésticas' e preparam-se agora para receber a menção de 'auxiliares de apoio doméstico' .
De igual modo, extinguiram-se nas escolas os 'contínuos' que passaram todos a 'auxiliares da acção educativa' e agora são 'assistentes operacionais'.
Os vendedores de medicamentos, com alguma prosápia, tratam-se por 'delegados de informação médica'.
E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em 'técnicos de vendas'.
O aborto eufemizou-se em 'interrupção voluntária da gravidez
Os gangs étnicos são 'grupos de jovens'
Os operários fizeram-se de repente 'colaboradores';
As fábricas, essas, vistas de dentro são 'unidades produtivas' e vistas da estranja são 'centros de decisão nacionais'.
O analfabetismo desapareceu da crosta portuguesa, cedendo o passo à 'iliteracia' galopante. Desapareceram dos comboios as 1.ª e 2.ª classes, para não ferir a susceptibilidade social das massas hierarquizadas, mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria continuam a cobrar-se preços distintos nas classes 'Conforto' e 'Turística'.
A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa: «Sou mãe solteira...» ; agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da pungente melodia: «Tenho uma família monoparental...» - eis o novo verso da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade impante.
Aquietadas pela televisão, já se não vêem por aí aos pinotes crianças irrequietas e «terroristas»; diz-se modernamente que têm um 'comportamento disfuncional hiperactivo' Do mesmo modo, e para felicidade dos 'encarregados de educação' , os brilhantes programas escolares extinguiram os alunos cábulas; tais estudantes serão, quando muito, 'crianças de desenvolvimento instável'.
Ainda há cegos, infelizmente. Mas como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é considerado 'invisual'. (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos - mas o 'politicamente correcto' marimba-se para as regras gramaticais...)
As p.... passaram a ser 'senhoras de alterne'.
Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em 'implementações', 'posturas pró-activas', 'políticas fracturantes' e outros barbarismos da linguagem. E assim linguajamos o Português, vagueando perdidos entre a «correcção política» e o novo-riquismo linguístico.
Estamos "tramados" com este 'novo português'; não admira que o pessoal tenha cada vez mais esgotamentos e stress. Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma 'politicamente correcta'.
Helena Sacadura Cabral
Domingo, 12 de Outubro de 2014
A ILHA DESERTA - 1º DISCO - A VIAGEM DE INVERNO
A Ilha Deserta é um dos mais antigos programas de rádio da BBC Radio 4. Com a internet pode ouvir-se e saber-se quais são os discos que personalidades da cultura, da ciência, da politica etc levariam para uma ilha deserta. Começou em 1942 e no site podem ouvir-se cerca de 1500 dos 2996 programas.
A nossa RDP - A2 teve um programa similar em 1993 com o título “A Ilha de Orfeu” quando à sua frente tinha gente como João Paes e por aí também ficamos a saber quais seriam os discos que portugueses ilustres com Bénard da Costa, Luís Santos Ferro, João Furtado Coelho, Jorge Listopad, Gérard Castello Lopes, Adriano Jordão, João Vieira, João Figueiredo Dias, Nella Maissa, Bigotte Chorão, Celestino da Costa, Fernanda Lapa, Carmen Dolores, Melo e Castro, Maria Velho da Costa, António Manuel Baptista e outros levariam consigo.
Quando João Paes foi posto fora da rádio (como agora o Baptista Bastos do DN) ,regressaram os do costume. Também os seguidores deste blogue ou do meu Facebook poderão se assim quiseram mostrar ao pequeno mundo os seus discos de eleição.
Comecemos pela “A Viagem de Inverno”, D.911, ciclo de canções sobre poemas de Muller (1828) de Franz Schubert obra primeira para a minha Ilha Deserta. Diaskau tem pelo menos cinco versões entre 1955 e 1972. Tenho a de 1963 com o grande Gerald Moore e estou ouvindo agora a de Mathias Gorne com Alfredo Brendel de 2003 vivo. É um grande cantor mas noto-lhe muito a influência de Fischer-Dieskau. Nos anos 70, João de Freitas Branco considerava a versão de Dieskau a melhor.
Tenho a de John Vickers com Peter Shaaf de 1986 que também gosto. Para Vieira Nery a melhor continua a ser a de Vickers mas a de 1973 com G. Parsons.
Peter Pears com B. Britten em 1963 está entre as minhas preferidas.
Hans Hotter com Gerald Moore em 1955 que ainda tenho em vinil, para mim é a melhor. Mais profunda, dramática, intensa. Perfeita com o som analógico. As edições em CD em 1987 não revelam o grande, grande cantor que foi Hans Hotter.
Talvez esta exibição de conhecimentos, que os amigos não classificarão de presunçosa, leve algum dos meus seguidores, também a escolher o primeiro dos dez discos para a A Ilha Deserta.
A ultima canção, a nº 24, "O homem do realejo" das mais dramáticas, aqui na versão Thomas Quasthoff, outro grande intérprete de Schubert com Daniel Baremboim ao piano.
Quarta-feira, 8 de Outubro de 2014
PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO – ESTA É BOA!
PARA MEMÓRIA FUTURA
PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO – UM EXEMPLO PARA A POSTERIDADE
DESPOVOAMENTO DAS CIDADES? ESTA É BOA!
O nº 33 da revista “Monumentos”, que é interamente dedicado a Guimarães, insere um artigo da autoria do Arquitecto José Manuel Fernandes onde são analisados cinco edifícios da nossa cidade da autoria de cinco arquitetos, selecionados pela importância que tiveram na arquitectura portuguesa nas décadas de 1930 a 1950:
O Mercado Municipal de Guimarães, de José Marques da Silva; o Cineteatro Jordão, de Júlio de Brito; o Palácio da Justiça de Guimarães, de Luís Benavente; a agência da Caixa Geral de Depósitos, de António Lino e, finalmente, uma “habitação para uma família de classe média”, de Luís Oliveira Martins.
Atentemos ao texto sobre o Mercado Municipal. Depois a
O Mercado Municipal de Guimarães constituiu uma encomenda encetada em 1926, tendo havido um primeiro projeto em 1927 e um projeto final, o edificado,em 1936, com o desenvolvimento das respectivas obras até 1947. Situado no gaveto da Avenida Conde de Margaride com a Rua Paio Galvão, foi projetado pelo arquiteto José Marques da Silva. Este autor foio mais importante no Porto nos primeiros anos do século XX, tendo sido diretor da EBAP e o seu principal professor. Arquiteto diplomado pelo governo francês, em 1896, dele podemos referir como alguns dos seus trabalhos fulcrais, no Porto: a Estação de São Bento (1896 -1911); o Bairro Operário de Monte Pedral (1899 -1904); o Teatro de São João (1910 -1920);a casa -ateliê do próprio, na Praça Marquês de Pombal (1909); os Armazéns Nascimento (1914 -1927); os liceus Alexandre Herculano (1914 -1930) e Rodrigues de Freitas (1918 -1933); a companhia de seguros A Nacional, na Avenida dos Aliados (1919). Nestas obras a linguagem arquitetónica de Marques da Silva foi evoluindo, década a década, desde as concepções mais revivalistas, classicizantes e protofuncionalistas até aos temas da Arte Nova (1910 -1920) e do estilo Art Déco (1930 -1940).
Marques da Silva trabalhou um pouco por todo o Minho, de Monção a Barcelos, ou de Braga a Santo Tirso. Em Guimarães concebeu também o projeto para a conclusão da Igreja de São Torcato, bem como os projetos do Parque de São Torcato (1910 -1921), do Santuário da Penha (1931 -1947) e, sobretudo, da poderosa sede da Sociedade Martins Sarmento, num excelente neo -românico, sóbrio mas monumental,(1903 -1908 e 1935 -1950) — talvez o melhor exemplo deste estilo edificado em Portugal. Marques da Silva executou também o projeto dos novos Paços do Concelho da cidade (1916), resultante da sua participação no concurso para a construção do imóvel, promessa do presidente municipal Mariano Felgueiras, em 19142, edificação inacabada e demolida em 1942. O edifício municipal viria a inscrever -se na Praça de Mumadona, integrada no Plano de Expansão da Cidade de Guimarães, que Marques da Silva concebeu em 19383, com extensão da urbanização na direcção do Monte da Costa, não totalmente realizado.
O mercado municipal constitui possivelmente a mais relevante obra do modernismo internacionalista e Art Déco dos anos de 1930 -1940 na cidade ao mesmo tempo que, embora último abencerragem na obra de Marques da Silva, como sua obra tardia, será o melhor exemplo desta fase estilística de entre os seus trabalhos.
O mercado vimaranense, como “mercado -quarteirão”, aberto e pavilhonar (fig. 3), buscando as suas origens tipológicas no conjunto do Bolhão portuense ou na Praça da Figueira lisboeta, constituirá também, possivelmente, um dos mais assinaláveis casos de arquitetura de mercado municipal da sua época em Portugal — senão o melhor. Só com o Mercado dos Lavradores, por Edmundo Tavares, erigido no Funchal em 1940, se criou obra de superior pujança, modernista, nesta modalidade funcional.
Vejamos e equacionemos, pois, que valores marcantes há a relevar. Uma “fachada de aparato”, desenvolvida ao longo da Rua Paio Galvão (que conduz diretamente
ao Toural), perpendicular à Avenida Conde de Margaride, remata a nascente, e oculta o espaço amplo e retangular dos pavilhões de vendas de frescos, dispostos para poente da dita fachada. Duas entradas laterais, justapostas à fachada, abrem para a Avenida Conde de Margaride e para a Rua Sociedade Martins Sarmento; são estas que permitem a entrada no recinto -pátio interno, que se situa em cota mais baixa relativamente à da frontaria, mediante um sistema de escadas escalonado. Dois corpos corridos, de expressão meramente funcional, alinhados a norte e a sul do recinto, conformam o dito pátio, onde se implantam sucessivos pavilhões térreos. O quarto lado carece de expressão e remate arquitetónico.
A organização espacial geral do conjunto escalona assim um corpo com dois pisos, sendo um abaixo do nível da rua e o outro acima, do lado nascente, constituindo este o corpo arquitetónico mais representativo e emblemático do mercado. Os restantes espaços são menos interessantes como arquitetura, mas não comovivência do mercado — o qual, nesta organização que aproveita o desnível do terreno, recorda a distribuição do Mercado do Bolhão.
O desenho arquitetónico do corpo a nascente parece filiar -se numa estética funcionalista estrita, servida por uma primeira “arquitetura do betão armado”.
Assim, parecem corresponder a esta lógica formal, muito estruturalista, a longa galeria com pilares aberta a poente, a série de pilares e pórticos das lojas abertas a nascente e as consolas em betão salientes para a rua.
Já a molduração da entrada central, com o frontão encimado por sucessivos volumes piramidais escalonados, bem como os dois remates (também coroados por frontões piramidais), em cada lado dos volumes trifacetados sitos nas extremas laterais do longo edifício, a nascente, surgem como expressões de um estilo Art Déco corrente, aplicado nos edifícios e equipamentos públicos portugueses desde os finais dos anos de 1920. Tais remates e coroamentos procuravam certamente realçar e dignificar, “em moderno”, à moda da época, o gosto emergente e geométrico — e nesse sentido inovador — da estética do betão armado e dos novos materiais concernentes.
Finalmente, o elã do edifício é “puxado” (quase só) pelas dinâmicas e originais torres de coroamento dos referidos corpos trifacetados (fig. 6), a sul e a norte do volume nascente: são torres de base octogonal, em betão (que parecem ser ventiladores desses corpos), que por sua vez recebem superiormente um volume cilíndrico mais esguio, acima do qual dois pilares “soltos” enquadram um relógio público (um dos leitmotiv deste tempo), o qual é expressiva e ostensivamente assinalado por quatro pequenos discos em betão, horizontais, balançados nas quatro direções possíveis, quase “soltos” no espaço. O relógio está finalmente coberto, no extremo superior, por novo disco, este centrado, igualmente em betão. O todo descrito constitui uma peça de sentido escultural, graciosamente “brincando” com a seriedade municipal do conjunto — mas que resulta, pelo inesperado e pela sua leveza, fortemente caracterizadora do edifício, e dele até o emblema básico.
Em tempo: a seguir é o Teatro Jordão.
Uma foto de 1950 com a igreja de S.Torcato ao fundo
Esta foto de Outubro de 1950 foi feita por um tio meu, Francisco Martins Fernandes, homem com talento para a fotografia, grande conversador, com uma memória prodigiosa, espirituoso, e que ao que sei ninguém se lembrou de gravar a sua voz para memória futura. Remontava aos anos 20 a sua memória de descrição de acontecimentos e de como se vivia noutros tempos; tudo com um toque de espirito.
Acho a foto extraordinária, não por ser eu a criança, mas pelo enquadramento, pela plástica nela contida. Obtida na casa de aldeia de meu avô materno em S. Mamede de Aldão (a casa de Penouços ainda existe mas desfigurada com os toques do novo-riquismo tão em voga). Ao longe vê-se a igreja de S. Torcato.
Desculpem a presunção: não é uma bela foto?
