Os cálculos na vesícula, os sintomas de um reumatismo que o atacava quando o Outono se aproximava ou a certeza de que o fim das coisas era inevitável abriam-lhe a porta ao pessimismo em geral e à descrença no futuro – mas a visão de um mundo encavalitado às costas do "progresso" era o aspecto mais penoso da existência. A esta distância, compreendo-o; ser "contra o progresso" é nos nossos dias um pecado capital, e resmungar contra "a criatividade" tornou-se uma apostasia definitiva e dramática.
O "ser humano" está condenado a acreditar na criatividade sem limites, na originalidade, no progresso, na mudança e, finalmente, na ideia de que as coisas novas são sempre superiores às antigas. Isto pode fazer confusão a um velho do Alto Minho, educado pela vida (e pelos desaires) a apreciar as coisas que permanecem e a desconfiar das invenções em que não vê grande utilidade.
A minha sobrinha Maria Luísa – a eleitora esquerdista da família – já foi uma sacerdotisa do Progresso (com maiúscula). Hoje, desconfia bastante da direcção que as coisas tomam, e o seu optimismo em relação à espécie humana é morigerado. Alimento a esperança, dissimulada por muita cautela e certo tom de ironia, de vê-la feliz como Dona Ester, minha mãe, gostava de ver felizes os seus filhos, espalhados sobre o areal da praia de Afife, respirando o iodo da tarde e abrigando-se do vento galego que descia pelo litoral. Os sucessos e insucessos dos últimos setenta anos ensinaram-me a desejar pouco, a aceitar a grandeza das coisas desconhecidas, a reler os livros que já foram belos algum dia, a manter alguma fé numa ordem que comanda os planetas ou a solidão das dunas de Moledo. Ao mesmo tempo, esse egoísmo não faz mal aos outros. Não exige muito deles. Não lhes oferece demasiadas desilusões, nem utopias, nem promessas vãs de um mundo perfeito. Não lhes alimenta a fé nas coisas impossíveis que exigem que os outros mudem para que nós possamos satisfazer os desejos pessoais.
Esse mundo perfeito existe, sim – mas terminou há muito, antes do progresso, da democracia e dos défices da economia. Também é preciso lembrar que não se pode voltar atrás nem é possível recuperar o tempo perdido. O que está perdido, está perdido. O que passou, passou há muito.