A imodéstia familiar no Alto Minho (I)
O Dr. Paulo convenceu-se de que a loucura não é uma invenção recente. No tempo em que não eram tão visíveis os ódios em que a Europa havia de ficar emparedada, o Tio Alberto fez várias viagens a Constantinopla, tendo sobrevivido razoavelmente a todas elas. A Tia Benedita, matriarca dos Homem, nunca acreditou que a cidade tivesse mudado o seu nome para Istambul.
Naquela altura, o Tio Alberto tinha já há muito ultrapassado a barreira do "solteirão amável" (os trinta anos), e inclinava-se vertiginosamente para a fronteira do "solteirão incorrigível" (os cinquenta). A Tia Benedita (protegida do bolchevismo, da imoralidade e da República no velho casarão de Ponte de Lima) reconhecia que havia naquele homem maduro todos os sinais de um valdevinos que seguira até tarde o guião dos solteirões de família – um por geração –, prolongando a sua boa saúde até mais tarde do que o costume, mas evitando empregá-la naquilo que seria normal: um casamento, uma família, uma vida virtuosa.
A ideia de que o Tio Alberto não tinha uma "vida virtuosa" não se baseava em factos, mas numa conclusão tirada de evidências: aos cinquenta, um homem com boa situação profissional (o Tio Alberto dedicava-lhe nove meses do ano) e duas cópias de Watteau nas paredes da sala de estar da sua casa de São Pedro de Arcos, não devia "andar por aí", sujeito às intempéries da tentação. A posse de um Super Sport Villa d’Este 2500, o Alfa Romeo da época, também não ajudava a compor o retrato.
O relato das aventuras do Tio Alberto é um bálsamo para os serões de Moledo, quando as visitas querem saber se houve alguém minimamente vivo na família. O Dr. Paulo, agora que desistiu da leitura dos clássicos russos e que morigerou as visitas à sua gastrenterologista, defende – com a energia dos incautos – que devíamos, num destes fins-de-semana, desenhar uma genealogia da família. A tarefa é impossível, porque um nome, isoladamente, é apenas um nome – e na família os nomes foram e voltaram, e tornaram a ir até um dia regressarem.
Nesses tempos em que a virtude e a modéstia familiares eram obrigações públicas, o Tio Alberto descia para a Praça de Caminha ao volante do seu carro, e eu e os meus irmãos disputávamos velozes regatas pelo Minho abaixo, sob o olhar suspeito da Guarda Fiscal, a quem o velho Doutor Homem, meu pai, assegurava que não éramos contrabandistas de Cerveira. Enfim, o Dr. Paulo convenceu-se de que a loucura não é uma invenção recente.